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Brasil pode demorar 65 anos para reduzir desperdício de água

Segundo pesquisa realizada recentemente pelo Instituto Trata Brasil, o índice de desperdício de água potável no Brasil é de 37% durante o processo de distribuição, valor que equivale a seis Sistemas da Cantareira. A perda de água causada por conta de vazamentos, pelo uso de hidrômetros adulterados, por ligações clandestinas e pela manutenção inadequada das redes pode ser resumida a dois fatores: “falta de gestão e falta de manutenção”, como afirma Pedro Scazufca* em entrevista para a IHU Online.

Confira:

IHU On-Line – Segundo estudo do Instituto Trata Brasil, o desperdício de água no país equivale a seis Cantareiras. Qual é o significado desse valor?

Pedro Scazufca – Os dados do desperdício de água são muito elevados; a média de desperdício no Brasil é de 37% e já esperávamos realmente um resultado ruim, um resultado que mostra o desperdício em termos de perdas físicas, causado basicamente por vazamentos, mas também perdas comerciais, que são os famosos “gatos”, ou seja, há muitas ligações clandestinas e hidrômetros adulterados.

Em relação às perdas físicas, basicamente elas dependem de uma manutenção inadequada da rede, e as redes são muito antigas. Então, por conta de essas redes serem antigas e não terem a manutenção adequada, ocorrem os vazamentos. Em relação às perdas comerciais, esse é um problema que existe por conta do comportamento inadequado dos cidadãos, infelizmente, que fazem ligações clandestinas ou fazem adulterações no hidrômetro para que ele meça um valor menor de água do que o que está sendo consumido.

IHU On-Line – Como é possível resolver esses problemas que geram desperdício?

Pedro Scazufca – Na verdade existe um problema de gestão e outro de falta de manutenção. Onde há perdas físicas, é necessário fazer uma troca adequada das redes, além da manutenção, verificando se existem vazamentos. Em relação às perdas comerciais, é necessário fazer uma troca adequada dos hidrômetros, substituí-los constantemente, ter um parque de hidrômetros com uma idade de no máximo cinco anos, para que haja uma medição correta de quanta água está chegando na casa das pessoas.

IHU On-Line – A estimativa do Trata Brasil é de que o país alcance um nível de desperdício de 15% em 2080. Por que a expectativa é de que isso ocorra somente num prazo tão distante?

Pedro Scazufca – A grande questão é que hoje não há uma evolução no indicador de redução de desperdício de água. A evolução é muito lenta, e por isso a nossa projeção é de que demore tanto tempo para se reduzir o índice de desperdício. Basicamente este é o motivo: estamos evoluindo de maneira muito lenta, embora tenhamos algumas cidades que fogem à regra, a exemplo de Limeira e Campinas, que têm índices menores de desperdício. Em geral, as cidades não estão evoluindo. Em aproximadamente dez capitais brasileiras, há perdas maiores do que 50%.

IHU On-Line – Em quais regiões há maiores evidências de desperdício de água?

Pedro Scazufca – Pelas informações que foram verificadas, a região Norte é onde existem maiores perdas de água, seguida da região Nordeste.

IHU On-Line – Segundo o Instituto, o desperdício anual de água equivale a R$ 8 bilhões que deixam de retornar ao saneamento básico. Que investimentos poderiam ser feitos com esse valor?

Pedro Scazufca – Essa estimativa de R$ 8 bilhões de reais é o total perdido, mas, como você falou, a meta é diminuir o índice de desperdício de água de 37% para chegar a aproximadamente 15%. Assim, não é possível reverter tudo isso, mas se deste valor de R$ 8 bilhões conseguíssemos reverter uns R$ 5 bilhões, estimamos que será necessário, por ano, investimentos da ordem de R$ 15 a 16 bilhões para que seja universalizado o saneamento até o ano de 2033, que é a meta do Plano Nacional de Saneamento.

IHU On-Line – Que medidas poderiam ajudar a reduzir o desperdício de água na rede de distribuição? Trata-se de investimento em tecnologia, melhoramento da gestão?

Pedro Scazufca – A gestão do Saneamento é feita pelas prestadoras de serviço e por cada município. Essas prestadoras podem ser companhias estaduais, que atendem hoje cerca de 70% da população; há também companhias municipais, que atendem cerca de 20% das operações. Então, por exemplo, em São Paulo, a Sabesp é uma companhia estadual que atende 365 municípios, mas em Campinas, por outro lado, o serviço é feito por uma empresa municipal. Há também empresas privadas, que atendem cerca de 10% da população; por exemplo, em São Paulo, há o caso de Limeira, onde é uma empresa privada que faz a prestação de serviço. Assim, são essas prestadoras de serviço que têm a obrigação de fazer a gestão e de melhorar essa gestão.

IHU On-Line – Há um comparativo no sentido de verificar se os locais em que há maior desperdício de água são atendidos por empresas estatais ou privadas?

Pedro Scazufca – Na verdade, os resultados aos quais chegamos mostram que temos tanto empresas privadas quanto empresas municipais ou estaduais onde há casos de sucesso. Dessa forma, não dá para atribuir a responsabilidade somente ao setor privado ou somente ao setor público, por exemplo. Agora, o que sabemos e o que acompanhamos é que há, sim, casos de municípios que iniciaram uma gestão privada e tiveram um sucesso de reduzir as perdas; isso realmente observamos.

*Pedro Scazufca é mestre em Economia pelo Instituto de Pesquisas Econômicas da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo – USP e bacharel em Economia pela Faculdade de Economia e Administração da USP. É um dos organizadores do livro A Economia do Saneamento no Brasil. Atualmente também atua como consultor do InstitutoTrata Brasil.

Fonte: IHU On-line, parceira editorial da revista eletrônica EcoDebate, em 27/07/2015