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Lei do Saneamento abre as portas para a reciclagem energética do lixo

A geração de energia feita por meio do processamento de resíduos sólidos urbanos contribui para o enfrentamento dos desafios da limpeza urbana e pode se reverter em benefícios energéticos para toda população.

O Brasil possui dois desafios a serem superados em um espaço curto de tempo. O primeiro deles é a ampliação e diversificação da matriz elétrica, cuja necessidade foi evidenciada atualmente com o enfrentamento de uma grave crise hídrica, provocada pela pior seca dos últimos 90 anos. O segundo é a extinção gradativa, conforme tamanho dos municípios, dos lixões em todo o País até 2024. O fim desse tipo de área é uma determinação contida no Novo Marco Regulatório do Saneamento Básico, Lei 14026/2020.

Um olhar desatento pode acreditar que as duas metas não se relacionam, mas a busca por esses objetivos pode, sim, percorrer o mesmo caminho. Em relação à matriz elétrica do futuro, a palavra de ordem é diversificação. Hoje ela é majoritariamente hidrelétrica (63,1%), com uma inserção já considerável de eólica (11,4%) no segundo lugar, seguida por térmicas a gás (8,9%) e biomassa (8,3%). As demais fontes não ultrapassam 3%. Não basta apenas crescer em quantidade e aumentar o percentual de apenas algumas renováveis para limpar a matriz, é preciso ter o máximo de variedade possível.

As fontes eólicas e solar são limpas e possuem preço competitivo, mas são intermitentes, ou seja, sua produção depende das condições climáticas. Até mesmo as hidrelétricas com reservatórios, que são despacháveis, mostraram-se vulneráveis aos fenômenos da natureza. A segurança do sistema tem sido garantida pelas térmicas e, para acompanhar o crescimento de outras fontes renováveis, uma solução inteligente é investir na expansão da geração termelétrica sustentável.

O Brasil já é bem sucedido no aproveitamento da biomassa, matéria-prima abundante em regiões de alta atividade agropecuária. Mas as tecnologias Waste-to-energy (WTE) ainda engatinham por aqui. Elas podem trazer respostas a uma série de problemas das regiões mais densamente urbanizadas. A geração de energia feita por meio do processamento de resíduos sólidos urbanos contribui para o enfrentamento dos desafios da limpeza urbana e pode se reverter em benefícios energéticos para toda população.

Nesse sentido, algumas novidades introduzidas pelo novo Marco Legal do Saneamento, como a possibilidade de compor grupos ou blocos de municípios para contratar os serviços de forma coletiva, representam um grande avanço e viabilizam soluções de WTE que antes só seriam factíveis em localidades maiores.

Já existem iniciativas no Brasil de geração de energia por meio de resíduos sólidos, inclusive urbanos, mas são projetos isolados. É preciso incentivar o desenvolvimento dessa fonte. Um incentivo recente foi a previsão de um produto específico a ser disputado no último Leilão de Energia Nova A-5, realizado no fim de setembro desse ano, contendo apenas usinas WTE. Como resultado do certame houve a contratação da Termelétrica Barueri, com 20 MW de potência instalada, movida a resíduos sólidos urbanos. Nesse sentido, é fundamental que se mantenha essa iniciativa para os próximos Leilões de Energia Nova, para que ocorra o fortalecimento da indústria de WTE no Brasil.

Outra medida importante, é a regulamentação do § 2º do art. 2º-B da Lei 10.848/2004, que prevê a realização de chamadas públicas realizadas pelas distribuidoras para contratação para contratação de empreendimentos de geração localizados na sua área de concessão. Dentre as fontes de geração passíveis de contratação pela distribuidora por chamada pública está a WTE. Porém, para que tenha êxito essa modalidade de contratação, será fundamental que os Valores Anuais de Referência Específicos (VRES) sejam corretamente definidos para a WTE.

Outra sugestão é que se mantenham os subsídios na forma de desconto das tarifas de uso do sistema de distribuição ou transmissão (TUSD ou TUST). Essa modalidade de subsídio é importante para tecnologias que estão no início do estágio de maturação como a WTE.  Esses incentivos foram bem sucedidos no desenvolvimento das gerações eólica e fotovoltaica , que atualmente estão amplamente desenvolvidas, disseminadas e são viáveis economicamente sem a necessidade dele.

Investir no desenvolvimento na tecnologia WTE oferece uma dupla solução para as cidades sob o ponto de vista de aumento da confiabilidade sistema elétrico pois são fontes despacháveis próximos aos grandes centros urbanos, e por serem uma fonte renovável que provê um destino adequado e estratégico para o lixo urbano. Ou seja, as usinas WTE transformam um problema – o lixo urbano – em solução.

Artigo de autoria de Victor Ribeiro, gerente de Assuntos Regulatórios da Thymos Energia.